Diversidade como valor na educação integral e inclusiva de crianças e adolescentes

“Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem
e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize.” 
Boaventura de Souza Santo
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Em continuidade às discussões sobre diversidade no percurso formativo, trazemos a entrevista com a historiadora Giselle dos Anjos Santos, consultora do Programa nos marcadores raça/etnia, gênero/sexualidade. Confira!

Um diagnóstico de como trabalhamos a diversidade no cotidiano das OSCs passa por questões, como:

No Programa Itaú Social UNICEF, a diversidade é apresentada como temática transversal às reflexões e práticas em torno da educação integral e inclusiva de crianças e adolescentes. Observar as próprias ações e posturas diante dos marcadores sociais de raça, etnia, gênero, sexualidade e condição de deficiência é fundamental para construir relações mais justas e equitativas dentro de nossa organização e em nosso território, e transformar a realidade que nos cerca.

  • De que modo nossa organização lida com o racismo e com os preconceitos de gênero, sexualidade e condição de deficiência? 
  • Como podemos aprimorar nossas ações no sentido de promover a inclusão e a valorização das diferentes maneiras de ser, estar, sentir e expressar-se no mundo?

Um diagnóstico da diversidade: entrevista com Giselle dos Anjos Santos

Giselle dos Anjos Santos, consultora do Programa sobre raça/etnia, gênero/sexualidade
Giselle A. Santos

Dando continuidade à discussão sobre diversidade, temática transversal no percurso formativo do Programa Itaú Social UNICEF, trazemos agora a entrevista com Giselle dos Anjos Santos, consultora do Programa sobre raça/etnia, gênero/sexualidade, ao lado de Liliane Garcez, especialista em assuntos relacionados ao marcador pessoa com deficiência.

Mestre em Estudos de Gênero e Teoria Feminista (UFBA) e doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), Giselle é autora do livro Somos todas rainhas (2012), sobre a história das mulheres negras no Brasil, e coautora do livro Mulheres afrodescendentes na América Latina e no Caribe: dívidas de igualdade (2018), publicado pela CEPAL no Chile e no Brasil.

Programa: Por que é importante as organizações da sociedade civil focarem a diversidade a partir de sua história e ações cotidianas?

Giselle dos Anjos Santos: A diversidade se expressa e está presente no cotidiano das OSCs de diferentes maneiras. O convite para levar à atenção para o aspecto da diversidade pode ser um exercício extremamente enriquecedor, no sentido de valorizar pontos que podem estar diluídos no contexto maior da atuação da OSC, como os grupos que ela atende, a comunidade onde está inserida, as razões pelas quais desenvolve determinado trabalho etc. Além disso, é uma ótima oportunidade para aprimorar ou iniciar de fato a valorização da diversidade. 

Programa: Como as atividades da Estação 1: Olhar para dentro promovem a percepção e reflexão sobre a importância da diversidade nas práticas de educação integral e inclusiva?

Giselle dos Anjos Santos: O exercício de “Olhar para dentro” pode trazer novas compreensões sobre o fazer cotidiano da OSCs, ao questionarem se a diversidade é, ou não é valorizada na sua atuação. 

A proposta dessa autorreflexão sobre como a organização lida com a diversidade também visa aprimorar a concepção de educação integral e inclusiva. Afinal, a perspectiva da diversidade está em completa sintonia com a concepção de desenvolvimento pleno, de diferentes dimensões, para crianças e adolescentes.

Programa: O que as organizações devem observar na formação de seus profissionais para que suas práticas sejam de fato inclusivas e compreendam a diversidade como valor? 

Giselle dos Anjos Santos: A formação sobre diversidade e temas correlatos pode ser um grande diferencial no currículo dos profissionais, e consequentemente para o desenvolvimento de ações mais assertivas. Afinal, a diversidade também merece investimento, como qualquer outra temática que agrega valor para a atuação das organizações. 

Programa: Como as OSCs podem promover uma cultura de inclusão e valorização da diversidade no território em que atuam?

Giselle dos Anjos Santos: Para promover uma cultura de inclusão e valorização da diversidade no território, as OSCs precisam analisar como os diferentes marcadores sociais operam na comunidade onde atuam, e especialmente, dentro da própria organização. 

É necessário desenvolver uma reflexão profunda sobre como as desigualdades sociais atuam na sociedade de modo geral, mas também no interior da sua instituição. A partir desse diagnóstico, é possível traçar objetivos e metas para ser mais inclusivo, a depender do cenário e dos problemas que foram identificados.  

Programa: Como as discussões de gênero e sexualidade estão presentes nesse movimento de as OSCs olharem para sua história e prática?

Giselle dos Anjos Santos: Para refletir sobre como as questões de gênero e sexualidade se apresentam pode ser interessante realizar algumas perguntas. Por exemplo: 

  • Qual o lugar que mulheres e homens ocupam historicamente no interior da OSC? (Lembrando que é válido considerar as assimetrias de gênero para além da desigualdade numérica, mas especialmente no sentido de valor). 
  • Será que reproduzimos estereótipos de gênero no diálogo com a equipe, as/os responsáveis, e especialmente com as crianças e adolescentes atendidas/os? 
  • Será que a OSC fomenta um espaço de livre expressão da diversidade sexual, e de quais formas isso se efetiva? 
  • Existe abertura para a discussão sobre diversidade sexual com os/as adolescentes atendidos/as? Como incorporar de forma concreta a perspectiva de valorização da diversidade de gênero e sexualidade no trabalho da OSC?

A depender do contexto, esses exemplos podem fazer mais ou menos sentido. O aspecto central desse exercício é formular as questões que tenham mais a ver com a realidade da OSC. 

Programa: De que modo uma educação antirracista pode ser implementada dentro das instituições?

Giselle dos Anjos Santos: Tal como no âmbito dos marcadores de gênero e sexualidade, as OSCs precisam olhar para dentro e se questionarem sobre como os marcadores de raça e etnia podem estar inseridos e operam no seu interior. Contudo, não podemos esquecer que o debate sobre racismo possui menor receptividade em alguns ambientes, devido à vigência do mito da democracia racial. Assim, pode ser mais delicado encampar essa discussão.

O racismo possui um papel estrutural na sociedade brasileira, de modo que o seu enfrentamento é necessário para que tenhamos uma sociedade efetivamente democrática e justa. 

Por isso, cabe a cada uma das OSCs o grande desafio, de se despirem, de reverem seus discursos e práticas. Até porque o racismo não se faz presente apenas por meio de ataques explícitos, o que fica nas entrelinhas e até mesmo os silêncios também podem revelar situações de discriminação racial. 


Veja também:

Olhar para dentro da diversidade: entrevista com Liliane Garcez, consultora do Programa Itaú Social UNICEF em pessoa com deficiência.

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