
Desenvolvimento organizacional: a gestão das OSCs em pauta
Com o objetivo de apoiar as organizações da sociedade civil no aprimoramento de suas práticas junto a crianças e adolescentes, o percurso formativo do Programa Itaú Social UNICEF promove reflexões e práticas em torno de três eixos, que devem ser considerados de acordo com os desafios vividos pelas organizações nos territórios em que atuam:
- desenvolvimento institucional;
- desenvolvimento integral de crianças e adolescentes; e
- articulação no território.
Assim, a Estação 1: Olhar para dentro convida as OSCs a se aprofundarem em seus processos de gestão pedagógica e operacional e verificarem seu nível de maturidade institucional. Para isso, as organizações são orientadas a fazer uma autoanálise coletiva a fim de:
- conhecer ou ampliar referências de indicadores de gestão pedagógica e operacional que podem ser incorporados aos processos de avaliação da OSC;
- exercitar a escuta das diferentes vozes para formar visões complementares sobre a organização.
Para auxiliar nessa análise, o percurso oferece um instrumento de autoavaliação coletiva: a Matriz de Desenvolvimento Institucional. Ela é composta por um conjunto de 15 critérios agrupados em duas dimensões: gestão pedagógica e gestão operacional.
Entre os critérios relacionados à gestão pedagógica, estão:
- contribuição para o desenvolvimento físico, intelectual, emocional, social e cultural das crianças e adolescentes;
- contribuição para o desenvolvimento dos territórios;
- práticas de escuta ativa e participação do público atendido e das famílias nas ações da OSC
- ações voltadas à valorização da diversidade;
- parcerias e articulação com outros sujeitos do território; e
- metodologias de produção do conhecimento.
Em relação à s gestão operacional, alguns dos critérios apontados são:
- planejamento estratégico observando a coerência entre a visão de longo prazo, a missão, os projetos realizados e o contexto em que a OSC está inserida;
- ações de comunicação e mobilização da sociedade;
- gestão de processos administrativos, contábeis, financeiros, orçamentários e jurídicos;
- sustentabilidade financeira;
- monitoramento e avaliação;
- gestão da equipe;
- pessoas e dinâmicas envolvidas na tomadas de decisão da OSC.

Webinário: Desenvolvimento organizacional
Uma das ações realizadas pelo Programa a fim de orientar as organizações em sua autoanálise institucional foi o webinário com Rogério Silva, doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP).
Com grande vivência no campo social brasileiro e em estratégia, avaliação e desenvolvimento organizacional, Rogério foi gestor do Programa Saúde da Família, em São Paulo e integrou o Departamento de Gestão e Educação em Saúde do Ministério da Saúde. É professor no Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (FEA/USP), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e na Universidade Santo Amaro (Unisa).
A conversa, aberta com a fala de Fernanda de Andrade (Itaú Social) e Juliana Sartori (UNICEF), teve a mediação de Letícia Moreira da Silva (CENPEC Educação). Voltado às OSCs integrantes do percurso formativo, o evento teve a participação de quase 400 pessoas, que interagiram intensamente por meio do chat em nosso canal do YouTube, fazendo comentários e perguntas, as quais foram respondidas ao vivo pelo convidado no segundo momento do webinário.
Assista na íntegra e, em seguida, confira alguns pontos desse bate-papo que destacamos.
Uma breve história das organizações
Ao longo de quase duas horas, o professor apresentou ideias e práticas de desenvolvimento organizacional, a fim de promover a reflexão sobre a gestão das OSCs. O bate-papo iniciou com uma breve retomada histórica sobre o conceito de organização social e gestão institucional em alguns grandes momentos, do início do século XX à atualidade:
- até 1900 – período marcado pelo Estado moderno e pela Revolução social, em que predominavam as tendências de padronização e controle sobre a sociedade;
- 1930 a 60 (pós-guerra) – momento em que se desenvolvem conceitos de cultura e desenvolvimento organizacionais;
- 1960 a 1990 – período em que surgem conceitos de sistemas, sustentabilidade, stakeholders e reengenharia, associados às ideias de complexidade, responsabilidade social e ao fenômeno da automação;
- 1990 até hoje – momento em que coexistem tendências diversas – e até divergentes – como digitalização, autogestão, humanização e uberização, e ideias relacionadas ao novo e ao velho trabalho.
Pontos de acupuntura organizacional
O especialista destacou que boas práticas de desenvolvimento organizacional não são prescritivas, ou seja, não há modelos que sirvam a todos, mas sim uma diversidade de práticas, contextos e possibilidades. Dessa forma, é importante que cada organização observe suas dinâmicas, contextos e avalie suas práticas a fim de construir soluções originais para seus problemas e desafios com base nas experiências próprias e de outras instituições.
“Minha apresentação não traz uma teoria específica ou uma saída para as organizações, mas ilumina uma série de pontos – que eu quero chamar de ‘pontos de acupuntura’- que podem ativar mudanças e levar a organização caminhos interessantes.”
Em seguida, o professor apresentou duas ideias centrais que se relacionam em seu olhar sobre gestão organizacional: centro e periferia das organizações.
“Existe um centro e uma periferia organizacional. Trata-se dos mesmos conceitos que usamos para falar do centro e da periferia da cidade ou da sociedade: onde se detém mais ou menos poder; onde se tem mais liberdade ou se sofrem mais cerceamentos. Esses são temas importantes promover desenvolvimento organizacional”, afirma.
Balanço entre dentro e fora das organizações
A formação de uma OSC tem sempre como objetivo responder a uma necessidade social. Para isso, recebe um mandato da sociedade, em que se define seu objeto, a causa que justifica sua criação, a necessidade que deve atender, produzindo ações de valor para o coletivo. Assim, quanto mais efetiva esta for no cumprimento de sua missão, mais relevância e sentido ela tem para a sociedade.
“Não há como pensar em desenvolvimento organizacional sem levar em conta os resultados para a sociedade: eles são essenciais. Esse é o princípio ético que justifica a existência da organização. Ao mesmo tempo, olhar para as relações internas é também fundamental. Nenhuma OSC deve se desenvolver às custas da saúde e da qualidade de vida de seus integrantes. Por isso, é necessário ter o cuidado de observar esse balanço entre o dentro e o fora das instituições.”
Dessa forma, a qualidade do diálogo interno – entre o centro e a periferia da organização – e externo – com o público atendido, o entorno e os parceiros – deve ser considerado no desenvolvimento organizacional. Para isso, é necessário garantir que os diversos sujeitos tenham a possibilidade de falar e escutar a todos, pois as decisões devem ser tomadas de forma coletiva. Em um bom ambiente conversacional favorável ao desenvolvimento, um confronto deve ser transformado em espaço de discussão.
Planejamento, resultados e uso inteligente dos recurso (inclusive humanos)
Cada profissional é um canal de percepção da realidade à disposição da organização, afirma Rogério. São os profissionais “da ponta”, que se relacionam diretamente com o público-alvo, as pessoas que estabelecem esse balanço dentro-fora. Ao desconsiderar isso, deixa-se de lado a escuta do ambiente externo. Por isso, é importante observar a relação entre centro e periferia da organização. Conferir aos profissionais autonomia de análise e decisão é vital para esse balanço.
“Conhecimento é fundamental. Sem isso, a ação se torna dogmática, sem fundamento nem sentido. Assim a articulação entre as informações técnicas, relacionadas ao objeto de atuação da OSC, e institucionais é vital para atribuir sentido ao trabalho. Quanto mais informação os profissionais tiverem acesso, mais autonomia e mais eficácia terá seu trabalho.”
Por outro lado, resultados são fundamentais ao se pensar em desenvolvimento organizacional. Dessa forma, no planejamento institucional, é imprescindível definir as metas que se deseja alcançar e estabelecer ferramentas para avaliar sua atuação de acordo com essas metas. “Toda iniciativa precisa de um olhar avaliativo: ação-reflexão-ação. A avaliação ajuda a determinar a relevância das ações e impactos e resultados.”
Desenvolvimento institucional, democracia e equidade
As OSCs surgiram no contexto da democracia, após a promulgação da Constituição Federal, em 1988. Nesse sentido, faz parte de sua essência a luta pela equidade e o combate às desigualdades estruturais em nosso país. “Assim como não haverá democracia real no Brasil sem equidade, não haverá desenvolvimento organizacional efetivo sem equidade nas instituições e nas nossas práticas”, afirma Rogério.
O tema da equidade étnico-racial e do combate às discriminações, nesse contexto, é central no desenvolvimento organizacional. Entre as formas de combate ao racismo estrutural, por exemplo, destacam-se as políticas afirmativas, como a criação das cotas raciais nas universidades, fundamentais para o fortalecimento de nossa democracia.
“Temos visto o crescimento de reflexões e práticas antirracistas nas escolas e universidades, com a exigência de maior contratação de professores e professoras negras, por exemplo. Isso tem levado a mudanças na antiga e nefasta lógica de invisibilização da população negra nesses espaços. Essa é uma pauta de primeira ordem para as organizações da sociedade civil: é preciso produzir escolas, instituições e governos antirracistas.”
Combater essa mazela enraizada em nosso país há mais de 400 anos envolve também promover que pessoas negras ocupem os espaços de poder das organizações, ou seja, diretorias, assembleias e conselhos, ainda majoritariamente brancos. “Esse é um ponto pacífico: não há desenvolvimento organizacional efetivo sem equidade nas instituições e nas nossas práticas”, observa.